Nunca mais me esqueci! ... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.


Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...


Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,


Como aquela magnífica amendoeira,
E florescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...

 

1895 / 1926

Todos os direitos reservados ao autor

 

 

 

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...


Desde então transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para a frente...


Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,


E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...

 

1895 / 1926

Todos os direitos reservados ao autor

 

 

 

 

Biografia


RAUL DE LEÔNI
"Semeador de harmonia e de beleza"



Texto de José Antonio Jacob
 


  Raul de Leôni Ramos nasceu em Petrópolis-RJ, e faleceu na "Vila Serena", em Itaipava-RJ, (30 de outubro de 1895 - 21 de novembro de 1926). Bacharel em Direito, prosador, diplomata e político. Chegou a eleger-se deputado estadual.
Acima dessas coisas foi poeta.
  Foi o poeta de maior realce na última fase do simbolismo, e justamente considerado como uma das figuras mais notáveis do soneto brasileiro de todos os tempos.
Parnasianos, simbolistas e até modernistas o têm em alta conta, apreciando-o sem reservas. Cada um de seus versos tem sonoridade e ritmo primorosos, especialmente os dos sonetos, em decassílabos, mesclados de simbolismo e de modernismo, com tessitura clássica e técnica parnasiana. São versos considerados dos mais perfeitos: em idéia, filosofia, e essência das temáticas.
  O seu ritmo peculiar e admirável de versificação, o conjunto de idéias sublimes de suas palavras, são os aspectos mais fortes que envolvem a magnífica harmonia da unidade de pensamento que existe em toda sua obra.
  O nome de Raul de Leôni é dos mais reconhecidos pela crítica brasileira, não havendo uma só voz discordante, o que não acontece com outros poetas, sobretudo, os da sua época que eram conhecidos poetas independentes, Augusto dos Anjos, Alceu Wamosy , José Albano, Andrade Muricy e outros. Ao próprio Muricy declarou o poeta Alberto de Oliveira: "Raul de Leôni é o maior de vocês todos. Li o seu livro, agora, em Petrópolis, e é extraordinário".
  A mesma unanimidade não tem a crítica ao situar o poeta, em diferentes julgamentos, onde foi colocado nas escolas e posições poéticas as mais diferentes e contraditórias. Enquanto alguns dos seus críticos o consideram um genuíno parnasiano, outros enxergam nele o simbolista autêntico, terceiros acreditam ter sido um neo-parnasiano e outros o situam num grupo completamente independente das regras poéticas e influências de escolas e movimentos literários.
  Todavia a crítica literária brasileira é unânime em assinalar a alta linhagem clássica da poesia de Raul de Leôni, fundada na homogeneidade da sua primazia gramatical, temática e métrica, e consolidada no seu bom gosto literário, reconhecidos como impecáveis, desde a sua época até os dias atuais.
  Diante da grandeza da sua escassa obra e da diversidade da crítica, ao situar o poeta nesta ou naquela escola literária, não existe aqui propósito de fazer análise da obra de Raul de Leôni: com respeito e admiração reconhecemos não existir a menor possibilidade de alguém tentar fazer, em poucas palavras, um julgamento ou estudo crítico legítimo sobre a prosa, filosofia e poesia de Raul de Leôni.
  A sua poesia embora contenha formas antigas e clássicas, é caracterizada por um imperecível espírito de modernidade, o que lhe assegura compreensão ilimitada e aperiódica, e o introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.
  Para melhor entendimento sobre a poesia de Raul de Leôni é preciso voltar ao século passado, precisamente em 1922, quando publicou o seu livro clássico "Luz Mediterrânea", onde está a essência da sua poesia, (grande parte em sonetos decassílabos) no meio da "explosão" do modernismo no Brasil.
Já em 1919, segundo alguns críticos ainda sob a ascendência parnasiana, ele publicara o extraordinário poema "Ode a um Poeta Morto" em homenagem a Olavo Bilac.
  Depois do acontecimento da "Semana de Arte Moderna", em 1922, os integrantes deste movimento, simpatizantes do "futurismo", do "dadaísmo", do "imagismo", do "surrealismo", do "ultraísmo" e principalmente do "concretismo", que segundo um dos seus mais importantes seguidores, Haroldo de Campos, "a melodia na música, a figura na pintura, o discurso-conteudista-sentimental na poesia são fósseis gustativos que nada mais dizem à mente criativa contemporânea", iniciaram, em São Paulo, e depois país afora, uma implacável crítica objetivando a destruição das "fórmulas já caducas" e "tradicionais" dos poetas parnasianos, simbolistas, românticos, e dos demais gêneros de poesia consagrados pelo tempo, logrando, extirpar, definitivamente, das letras brasileiras, os preceitos considerados "ultrapassados" pelo indeclinável julgamento modernista que havia no Brasil de então.
  De todos os poetas brasileiros, de qualquer escola onde existissem regras poéticas, incluindo os independentes, o único que não sofreu sequer um sopro de menosprezo do assíduo fôlego da "corrente modernista brasileira" foi Raul de Leôni.
Seus sonetos, de métricas perfeitas, repletos de metáforas e de concepções filosóficas extraordinárias, corriam nos cadernos de poesia dos moços e moças da época, que compreendiam aqueles versos de palavras doces, que continham, ao mesmo tempo, tanta simplicidade e tanto esclarecimento.
  Ao homem erudito a mensagem poética de Raul de Leôni causou, em todos os tempos, uma exclusiva distinção, pois que, se ao adolescente é de fácil entendimento, ao homem letrado dá o sinal da desmedida idéia que ele tinha sobre a profundidade dos mistérios da vida (ou das "cousas" da vida, conforme ele mesmo) porque, segundo alguns críticos, ele foi um profundo conhecedor da Alma Humana.
  Rodrigo Melo Franco de Andrade, prefaciando "Luz Mediterrânea", único livro de verso do poeta, escreveu: "Para Raul de Leôni, as idéias representam seres vivos". (...) "Ele foi entre nós, e o foi com singular grandeza, o único poeta de emoção puramente filosófica".
  Os seus sonetos "Ingratidão", "História Antiga" "Perfeição" "Legenda dos Dias" e "Argila", popularíssimos, de indizível simplicidade e de extraordinária beleza, estão entre os sonetos brasileiros mais importantes e imperecíveis.
  Segundo Agrippino Grieco, em artigo sobre os inéditos de Raul de Leôni, o soneto "Ingratidão", um dos mais bonitos e singelos, foi casualmente encontrado, por Luís Murat, no álbum íntimo de poesias de uma encantadora dama dos meios sociais de Santa Catarina, com uma especial dedicatória do poeta, que já a havia esquecido.
  A 1ª edição do "Luz Mediterrânea", de 1922, saída, em vida do autor, por ele mesmo organizada, começa com o poema "Pórtico" (onde ele se desvencilha, quase por completo, dos laços da influência do Parnaso brasileiro) e termina com o "Diálogo Final", tendo sido os "Poemas Inacabados" (que o poeta, ao pressentir a morte prematura, pediu para sua mulher queimar, e ela não compreendeu o seu pedido) que fazem parte da 2ª edição, e das edições seguintes, foram anexados ao "Luz Mediterrânea" pelos outros editores das mesmas.
  O soneto "Argila", que muitos chamaram "Eufemismo", considerado um dos mais bonito da sua obra, não foi publicado antes por respeito que o poeta tinha pelos escrúpulos cristãos e religiosos de sua mãe, já que alguns de seus amigos, equivocadamente, achavam que o soneto tinha conotação pagã e erótica. Somente após a morte do poeta e da mãe, Dona Augusta Villaboim Ramos, e cessados os motivos para a publicação o soneto foi publicado.
  Segundo Agrippino Grieco este soneto "todo brasileiro deveria saber de cor".
Após a sua morte em Itaipava seu corpo foi conduzido para Petrópolis, que lhe prestou suas últimas homenagens, sepultando-o à sombra do Cruzeiro das Almas, erigindo-lhe um mausoléu e dando o seu nome a um trecho da Rua Sete de Setembro.
  Quase oitenta anos da sua morte e Raul de Leôni é venerado por seus inúmeros leitores, mas ainda não chegou às carteiras universitárias dos cursos de Letras do nosso pais, onde por mérito poético, e para o bem dos estudantes da poesia brasileira, já deveria estar presente, se algum outro, menos competente e mais favorecido, não estivesse ocupando o seu lugar.
 

Consultas:

Oswaldo Orico ("O Dia" 16-08-1922)
Agrippino Grieco ( Caçadores de Símbolos - 1923)
Rosalina Coelho Lisboa ("A Noite" 27-11-1926)
Mesquita Pimentel (Prata de Casa - 1926)
Tasso da Silveira (revista "Vozes" Petrópolis - 1942)
Alceu Amoroso Lima (Primeiros Estudos - 1943)
Rangel Coelho (Tentativa de Prefácio - 1987)
Vasco de Castro Lima (O Mundo Maravilhoso do Soneto - 1987)